quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Fomos Campeões: Visita indesejada

Foto: Quarto árbitro
CSKA derruba Sporting em pleno José Alvalade e se sagra o primeiro russo campeão europeu; Copa UEFA de 2004-05 premiou uma equipe repleta de futuras promessas e quatro delas hoje estão no futebol brasileiro

Na metade da década passada, era  uma utopia imaginar algum clube russo erguer alguma taça fora do país. Tratados como órfãos de sua própria tradição no esporte, os soviéticos aos poucos se estruturaram para suportar aos anos que viriam. O primeiro rico deles foi o CSKA de Roman Abramovich, um dos homens mais estabelecidos no mundo (na época) e que torrava seu dinheiro na agremiação moscovita, juntamente com o Chelsea, o seu brinquedinho de luxo.

Pois aquele ano de 2005 seria inesquecível para a torcida dos Soldados, que veria um grupo jovem e abusado conquistar a Europa, tudo isso com uma atuação estonteante contra o Sporting, que jogava em casa no José Alvalade. Era também o segundo fracasso caseiro português em dois anos.

Outro dado interessante era a quantidade de brasileiros em campo durante a derradeira batalha: cinco, isso sem contar Anderson Polga, que ficou no banco. Liédson, Vágner Love, Daniel Carvalho e Rogério disputaram a grande final.

Caindo de forma direta na fase de 1/16 avos de final, o CSKA entrou na Copa UEFA da mesma temporada como terceiro colocado na chave H da Champions League, que contava com Chelsea, Porto e PSG. Exatamente neste estágio que os rapazes mostraram aos portugueses que iriam ser a pedra no sapato.

Ao passar pelo Benfica com uma boa vitória por 2-0 em Moscou e um empate por 1-1 em Lisboa, os krasno-sinie acenaram com a possibilidade de ir longe na competição. Credenciado para estar entre os 16 melhores, o escrete comandado por Valery Gazzaev avançou para enfrentar nas oitavas o Partizan e se classificou com o mesmo agregado: 1-1 fora e 2-0 em casa, com gols de Carvalho e Love.

Algumas coisas podem ser observadas sobre aquele CSKA: a defesa, que continua praticamente a mesma até hoje, era formada por Akinfeev, gêmeos Berezutskiy, Ignashevich e o nigeriano Odiah, na maioria das vezes. Forte na bola aérea e com um grande poder de marcação, dificilmente alguém passava com facilidade pelo miolo de zaga. Na meia, Daniel Carvalho, Aldonin, Rahimic e Zhirkov, valorizando o passe e a versatilidade, sempre com rapidez. O ataque com Vágner Love e Olic era eficaz e o croata fazia o papel de segundo atacante, com força e habilidade para fazer a bola chegar no brasileiro.

Com esse estilo trabalhado na ofensividade e na pressão depois do meio campo, os moscovitas foram chegando aos poucos e entre muitas batalhas, era notável o alto desempenho jogando na capital russa, diante de sua torcida. Mais uma presa, desta vez nas quartas de final: o Auxerre saiu de Moscou com um 4-0 na bagagem. Vágner Love, Ignashevich, Odiah e Gusev marcaram para os soldados. Era praticamente impossível conseguir a virada na França, ainda que um 2-0 servisse de consolo. Kalou, o Bonaventure e Lachouer tentaram reanimar o time da casa no Abbé Deschamps, sem sucesso.

Antes do momento crucial, ficou o Parma pelo caminho. Perto de atravessar o seu inferno astral dali a três anos, a equipe italiana deu trabalho para os meninos de Gazzaev, pelo menos ao que concerne a partida de ida, no Ennio Tardini. Um 0-0 encardido e sem grandes chances para os russos foi a tônica de toda uma campanha complicada longe de casa.

Foi só retornar à Moscou que a festa estaria garantida: 3-0 com sobras e um baile comandado por Vasili Berezutskiy e Daniel Carvalho, que balançou as redes crociati em duas oportunidades. Naquele 5 de maio de 2005, não havia exército que batesse de frente com os soviéticos. Nem duas semanas depois.

Em Lisboa, a festa é da visita
A noite de 18 de maio de 2005 poderia ter sido realmente especial para a torcida do Sporting. Afinal, os Leões tinham naquela decisão da UEFA a oportunidade de suas vidas. Em pleno José Alvalade a festa estava toda planejada. Com Ricardo no gol, Fábio Rochemback, João Moutinho, Rogério e Sá Pinto na meia, Liédson, o Levezinho na frente, o esquadrão alviverde parecia pronto para fazer frente aos moscovitas. Apenas parecia.

Foi um duelo travado e a primeira etapa foi colorida em verde e branco. Bombardeando a baliza protegida por Akinfeev, os Leões queriam matar sua presa o quanto antes. Rogério tentou alterar o curso e a sina de que em finais continentais o mandante sempre chora de tristeza com o apito final. Aos 28, o ex-corintiano foi feliz ao acertar uma bomba da entrada da área: 1-0 e Akinfeev se revoltava com a ausência de marcação.

De repente, as bolas que iam no gol russo paravam no gigante de amarelo, esbarravam na trave, teimavam em não balançar a rede. Qualquer outro tento teria determinado que a legião portuguesa iria garantir o troféu. Vez ou outra o futebol tem esse requinte de crueldade e distribui punições trazendo seus mais diversos e antigos chavões. Talvez o que possa marcar a decisão daquela Copa UEFA em terras lisboetas fosse o "quem não faz, toma".

O Sporting já havia brilhado na semifinal, ao vencer o AZ Alkmaar numa peleja épica em que dois gols foram marcados na prorrogação. Foi Miguel Garcia no último lance da etapa final do tempo extra que sacramentou a sobrevida dos Leões. Com mais espírito guerreiro do que os holandeses, aquele triunfo ficou marcado como grande superação dos alviverdes. Entretanto, o que se viu no José Alvalade foi o inverso.  Durante o intervalo, José Peseiro provavelmente dizia aos seus pupilos de que estavam no caminho certo e que era só administrar o placar. Em questão de 30 minutos, tudo foi às ruínas.

11 minutos do segundo tempo: a armada visitante resolveu aprontar a primeira da noite. Bola alta da direita, a defesa lusitana subiu em falso e Aleksei Berezutskiy testou para vencer Ricardo. A pelota estava quase quicando no chão quando o zagueirão apareceu para desviar. No banco de reservas, um bigodudo Gazzaev saltitava para os lados e comemorava. Viria mais por aí.

19 minutos: Ainda com 21 anos, o menino Zhirkov era o motorzinho da meia cancha do CSKA. Foi dos pés dele que a virada surgiu. Odiah avançou até depois do círculo central e quase sendo desarmado deu um passe longo até a ponta esquerda. Zhirkov então correu e bateu rasteiro por entre as pernas de Ricardo. 2-1. Incrédulo, o camisa 18 abraçou seus companheiros sem entender muito a importância do que havia feito.

28 minutos: Daniel Carvalho participou com maestria do lance que originou o terceiro e último gol daquela edição da Copa UEFA. Disputando no corpo a corpo com o grandão Enakarhire, o brasileiro carregou até a linha de fundo e cruzou. Na pequena área, um abandonado Ricardo, indefeso e desprotegido por parte de seus zagueiros, observava a chegada de Vágner Love. Era o adeus.

Demorando a decidir seu movimento, o arqueiro chegou depois do atacante na bola. Love deu um simples toque por cima e saiu para entrar com bola e tudo. 3-1 e os gritos de campeão pelo segundo ano seguido não foram em português. Bom para os visitantes que sentaram-se no sofá, tiraram os sapatos e colocaram os pés em cima da mesa.

Era a primeira conquista de um clube russo na Europa. Três anos depois o Zenit repetiria a façanha em cima do Rangers. Foi a consagração de uma equipe jovem e promissora, que pelo menos em território russo manteve as expectativas que acumulou. Se o CSKA hoje é uma potência soviética, isso se deve muito ao bom investimento e ao legado deixado por esses rapazes que foram até Lisboa para festejar na casa do adversário.

CSKA: Akinfeev, V. Berezutskiy, A. Berezutskiy, Ignashevich, Odiah, Daniel Carvalho (Semberas), Zhirkov, Aldonin (Gusev), Rahimic, Olic (Krasic) e Vágner Love. Téc: Valery Gazzaev

Sporting: Ricardo, Enakarhire, Miguel Garcia, Beto, Pedro Barbosa, Tello, Rochemback, João Moutinho (Hugo Viana), Rogério (Douala), Sá Pinto (Niculae) e Liédson. Téc: José Peseiro

Campanha: Nove jogos, cinco vitórias, três empates e uma derrota. 16 gols marcados e 14 sofridos.

Jogos
1/16 avos de final
CSKA 2-0 Benfica
Benfica 1-1 CSKA

Oitavas de final
Partizan 1-1 CSKA
CSKA 2-0 Partizan

Quartas de final
CSKA 4-0 Auxerre
Auxerre 2-0 CSKA

Semifinal
Parma 0-0 CSKA
CSKA 3-0 Parma

Final - 18 de maio de 2005, José Alvalade - Lisboa
CSKA 3-1 Sporting

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