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Foto: Blade malaka.blogspot.com |
Yashin, o Aranha Negra é a maior referência de todas como goleiro; gênio de seu tempo, foi o único arqueiro a vencer o prêmio do Ballon d´Or da France Football, em 1963
Ser goleiro nos anos 1950 e 60 era uma tarefa ingrata e penosa. Sem luvas, os responsáveis por guardar a meta de seus clubes sofriam com o bombardeio dos atacantes (que viviam seu auge) e com o peso da bola, que triplicava em tempo chuvoso. Sempre execrados por suas falhas cruciais, os homens que tinham a missão de impedir o gol alheio tinham de enfrentar muito mais desafios do que seus colegas de linha. Poucos brilhavam.
Inquieto, de personalidade forte e reflexos apurados como os de um herói saído dos quadrinhos, Lev Yashin é o que podemos chamar de maior arqueiro de todos os tempos. Tanto é que desde 2002 a FIFA premia nas Copas do Mundo o melhor atleta da posição com o nome do russo, nascido em Moscou.
Foram 20 anos dedicados ao Dynamo Moscou, nos quais ele colecionou honrarias e grandes feitos. Pela seleção da União Soviética então, nem se fala: o Aranha negra levantou a taça da primeira Eurocopa, em 1960, diante da Iugoslávia, além da medalha de ouro na Olimpíada de 1956, em Melbourne. Convocado para a URSS desde 1954, Lev nunca esteve perto de perder a titularidade.
Consciente de sua importância, Yashin chegou a declarar que houveram apenas dois arqueiros de classe mundial. "Lev Yashin e aquele garoto alemão do Manchester City". O soviético se referia a Bert Trautmann, que chegou a quebrar o pescoço durante a FA Cup de 1956 contra o Birmingham, mas permaneceu em campo até o final. Outra declaração célebre de Lev é sobre a postura do guarda metas após levar um gol. "Que tipo de goleiro não fica atormentado após ser vazado? Se ele ficar calmo, isso deve significar o fim. Não importa o que aconteceu no passado, ele não terá futuro".
Certamente se referia aos pouquíssimos gols que levara durante toda a sua carreira. Debaixo das traves crescia, virava um gigante quando encarava algum adversário. Sua técnica era tão apurada que os chutes de longa distância morriam nos seus braços, sem rebote. Enorme em penalidades, criou-se a lenda de que o Aranha teria defendido mais de 150 tiros na marca dos onze metros. Nenhum outro guarda redes atingiu esta façanha.
Os melhores também falham
É difícil achar algum relato de uma falha decisiva de Yashin. Ainda sim, contam os livros que durante a Copa de 1962, no Chile, ele viveu uma fase complicada. Além de concussões sofridas em partidas da fase de grupos, o soviético levou um gol olímpico do colombiano Marcos Coll. O placar estava 4-1 para a URSS, e com mais uma ajudinha amiga em outros lances, os sul-americanos alcançaram o empate. Amplamente criticado pela crônica especializada, Lev não se abateu.
A prova de que ele foi colossal veio em 1963, com o prêmio do Ballon D´Or pela France Football, o Bola de ouro. Nunca um guarda metas havia sequer entrado na lista final, mas Lev conseguiu superar Gianni Rivera e Jimmy Greaves, entrando para a história do esporte. Não que ele precisasse disso para se consagrar, visto que dentro da área era soberano.
Não bastasse os reflexos, Yashin ainda tinha boa desenvoltura para jogar com os pés e vez ou outra desarmava adversários fora da área, executando o papel de zagueiro. Era um líbero de luvas, praticamente. Protagonista de grandes defesas e muitas vezes salvador do sistema defensivo da URSS, o Aranha negra tirava o sono dos que falhavam em ultrapassar a barreira de uniforme preto debaixo das traves.
Lendário até nos seus rituais pré-jogo, o soviético fumava um charuto e bebia doses cavalares de whisky antes de partidas decisivas. Superando o fiasco em 1962, Lev pegou até pensamento no Mundial seguinte, em 1966. Também foi ao Mundial de 1970, no entanto, aos 41 anos de idade ficou apenas como terceira opção e assistente técnico.
Fazendo parte até do time de hóquei do Dynamo na década de 1950, Yashin só fez por aumentar a lenda em torno da figura dele. Após vinte anos dedicados ao futebol, o pai de todos os goleiros se retirou do esporte. De 1950 a 70, uma muralha esteve montada no gol da URSS e do Dynamo Moscou. Quase quarenta anos depois, foi lembrado por Pelé na lista dos 100 melhores de todos os tempos da FIFA.
Todo novo talento na meta deve se inspirar na bela história escrita por Lev. A boina e o uniforme negro estão eternizados nas páginas do futebol em seus tempos áureos. A mitificação de um atleta por vezes se faz tão importante quanto os grandes passos da humanidade. Nas palavras do próprio Aranha negra: "O prazer de ver o homem na lua é pouco perto da alegria de agarrar um pênalti". Viva Lev Yashin, o homem que passou 270 dos seus 812 jogos sem levar gols.
Felipe Portes é estudante de jornalismo, tem 22 anos e é redator no Trivela, além de ser o dono e criador da Total Football. Work-a-holic, come, bebe e respira futebol.
"O futebol na minha vida é questão de fantasia, de imaginário. Fosse uma ciência exata, seria apenas praticado por robôs. Nunca fui bom em cálculos e fórmulas, o lado humano me fascina muito mais do que o favoritismo e as vitórias consideradas certas. Surpresas são mais saborosas do que hegemonias."
No twitter, @portesovic.
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