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Taddei: uma referência para os pernas de pau do mundo todo Foto: All voices |
Nem preciso dizer que os times que eu torço sempre perdem. Quem me conhece sabe que 70% do tempo que gasto assistindo os jogos de Palmeiras ou Roma, o faço xingando. É tanto cabeça de bagre que me acostumei com a ideia de que poderia estar lá no lugar deles, fazendo melhor. Claro que as coisas não são tão fáceis assim. O drama aumenta quando até nos rachões a derrota está ao meu lado.
Certo dia resolvi ver um vídeo com o resumo da temporada no campeonato australiano e botei na minha cabeça que deveria ter meus cinco minutos de loucura e tentar a sorte no futebol lá na terra dos cangurus. Por sorte não o fiz, por uma série de fatores. Primeiro: sempre estou fora de forma e ritmo de jogo. Segundo: não tenho dinheiro nem para bancar a viagem. Terceiro: talvez eu não tenha tanto talento assim.
Não canso de me colocar em prova. Sete meses depois de ter rompido ligamentos do tornozelo direito, voltei a jogar futebol. Uma pelada em que fui convidado pelo pessoal da Rádio Globo/CBN, que tinha pessoas formidáveis como a Mayra Siqueira, Ana Thaís Matos, Leandro Mota, André Sanches, Marcelo Bechler, além dos convidados Bruno Bonsanti e Diego Salgado. Sim, as meninas jogaram de igual para igual com o restante da galera.
Fui me aquecer e por perto estava a Gabi, que talvez não estivesse tão empolgada quanto eu. Tenho bem vivo na cabeça que sempre que fico longos períodos sem jogar, volto animado, elétrico e decisivo, apesar de fisicamente bem precário. O mau presságio estava na primeira burrice da noite: fui ao vestiário e não calcei as chuteiras, fazendo o trajeto até a quadra apenas de meias. Choveu muito durante a tarde e estava tudo molhado. Dentro do calçado, aquela sensação péssima de ter enfiado o pé numa poça d'água.
"Amor, vou fazer cinco gols", disse a ela pouco antes de entrar na quadra. Ela riu e desejou boa sorte, numa ação protocolar e digna de quem já sabia que não iria sair nada de bom. Quadra pequena e encharcada, muita gente em pouco espaço, campo pesado, falta de ritmo. Todas as desculpas para uma atuação feia eu já tinha, só não queria ter de usá-las.
Começa o nosso jogo, perco uma bola. Mais adiante, erro um passe. Afasto um ataque dos caras e penso que "ah, está tudo bem, vou me recuperar". A cada vez que eu dominava, tinha a sensação de estar em um tempo completamente diferente dos demais. No sentido de estar mais lento, mesmo. Eu pensava uma coisa, mas na hora de executar, vinha alguém e batia a minha carteira. A cada desarme sofrido, uma voz soturna ficava na minha cabeça: "E você ria do Betinho..."
Três jogos, três derrotas. Já vi ali que o dia estava perdido. Começou a chover mais, considerei simular um escorregão e uma lesão muscular. Voltei à quadra e preferi ficar na zaga, assim não comprometeria a ofensividade do time. A partir desse momento, passei a comprometer o setor defensivo. Na primeira saída de bola, outro desarme e gol deles. Penso ter ouvido um "PORRA, AMOR, NÃO ACERTA UMA, HEIN?" ali da grade ao lado do portão, mas pode ter sido só imaginação.
Me mandaram para a frente de novo. Num passe recebido, tentei jogar por cima do marcador, mas ele entrou de cabeça para dividir uma bola em que coloquei a perna. Resultado: nocaute no rapaz, que foi atingido no nariz pelo peito do meu pé direito. Fiz o famoso fair play, vi se o cara tava bem, embora soubesse que ele estava muito melhor que eu.
Negação
Depois de certo tempo e vários erros, você automaticamente começa a não querer mais tocar na bola. Se esconde atrás do marcador, corre para um canto impossível de alcançar, ou simplesmente bota as mãos na cintura. Eu não, preferi correr de um lado para o outro, assim ninguém reclamava da minha inutilidade. "É melhor que a bola não chegue em mim. Vai que eu erro o tempo, dou uma furada, prefiro marcar o alambrado. Já fiz besteira demais por hoje".
Continuei marcando os adversários, ainda que fosse quase impossível tomar uma bola. Parecia que eu estava dopado. De Rivotril. Sempre que eu percebia estar com certa liberdade em campo, corria pra perto de algum oponente. "Eles podem inventar de jogar pra mim, sai fora".
Desespero
Todos cansaram, passaram a andar na quadra, entregar várias paçocas para o pessoal da outra equipe. E nada do meu futebol aparecer. Chovia pra cacete e nem assim a bola se entendia comigo. Tomei uma canseira da Ana, que tava subindo pelas laterais com uma eficiência que lembrava o Arce. Eu lembrava Max, Cristiano Mendigo ou até mesmo o bonecão do posto Gioino. "Acho que agora é aquela hora de deitar no chão e simular um desmaio ou uma contusão mais séria. Tá foda". Em determinado momento até mesmo a Gabi saiu de perto da quadra: estava mais interessante beliscar um churrasco do que ver o namorado passar vergonha.
Aproveitei a chuva forte pra dar uma arrumada no cabelo. "Isso, isso, mexe no cabelo. Demonstra preocupação. Deu tudo errado, capaz de fazer até gol contra". Restando dez minutos para o fim da noite, a fisgada na coxa esquerda. O azar era tanto, que a melhor bola que recebi no ataque durante duas horas não foi aproveitada. Penteei a pelota e bati fraco demais, até uma criança de seis anos agarraria. Detalhe para a arrancada que dei mancando até a esquerda. Aparentemente só me deram espaço porque julgavam que a natureza fosse me marcar. Ela fez um ótimo serviço, diga-se.
Constatação
Uma boa forma de distrair os adversários é puxar papo entre um lance e outro. Tentei aplicar a psicologia reversa dizendo que estava mal, errando tudo, que não deveria ter levantado da cama. A expectativa era que numa jogada perdida eu fizesse o meu gol e desse risada. Então... infelizmente não deu. Saí mancando pra dar aquela noção de estrago. Fora da quadra, o pessoal convidava para que eu aparecesse na próxima segunda-feira. "Vocês falam isso só porque fui mal. Aí é moleza".
E é nesses dias que a gente percebe que não serve para o negócio. Quem sabe se melhorar a forma física e trocar o tornozelo, dê jeito. Mas já dizia João Saldanha: "O macaquinho deixou de namorar a girafa por causa disso. É muito penoso ir lá em cima dar um beijo, vir cá embaixo pegar a mãozinha dela, ir de novo, e cá. Não dá". Se toda vez eu tiver de sair do campo machucado, vou acabar me sentindo um Valdívia que não fala portunhol. Só sou craque aqui no quintal de casa, com a minha bola, os buracos na quadra e os espaços que já conheço desde moleque.
Se forem me chamar pro futebol, lembrem que só acontece de eu brilhar aqui por essas bandas. Queria ter uma história de chapéu no goleiro, bicicleta, pedalada e elástico (o chapéu já aconteceu, verdade), mas me contento em ser aquele que dá a furada, perde o gol na cara ou entrega o ouro para o atacante. Se eu arrumar um empresário que nem o do Taddei, tá beleza, dá pra fazer um teste num Melbourne Victory, Central Coast Mariners...
Ou melhor continuar escrevendo, ofício que não tenho marcado tantos gols contra assim.
Felipe Portes é estudante de jornalismo, tem 22 anos e é redator no Trivela, além de ser o dono e criador da Total Football. Work-a-holic, come, bebe e respira futebol.
"O futebol na minha vida é questão de fantasia, de imaginário. Fosse uma ciência exata, seria apenas praticado por robôs. Nunca fui bom em cálculos e fórmulas, o lado humano me fascina muito mais do que o favoritismo e as vitórias consideradas certas. Surpresas são mais saborosas do que hegemonias."
No twitter, @portesovic.
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