terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Fomos campeões: Um ano e três guerras

Foto: Folha de São Paulo
Palmeiras conquista a América em 1999 com a marca de Felipão: na raça e com altas doses de emoção; Corinthians tirou uma casquinha em uma das guerras e levou o Paulistão daquele ano

1999 deve ser um dos anos mais emblemáticos na vida do palmeirense. Tido como um dos mais importantes da história do clube, juntamente com 1993, o último ano do segundo milênio reservou fortes emoções para a massa alviverde. Aumentando consideravelmente a rivalidade com o Corinthians, o Verdão entrou em rota de colisão com o Timão em três oportunidades em 99. Cada uma delas com a sua peculiaridade, suas memórias recortadas e sobretudo muitas provocações.

O primeiro capítulo foi na primeira fase da Libertadores da América. Chaveados com os paraguaios Cerro Porteño e Olimpia, os arquirrivais paulistas se enfrentariam duas vezes no grupo 3. A participação dos dois se devia ao fato deles terem sido campeões nacionais em 1998, coincidentemente em cima do Cruzeiro. O Corinthians venceu o Brasileirão e o Palmeiras a Copa do Brasil, graças a gol tardio de Oséas no Morumbi. E assim começou a guerra, no dia 26 de fevereiro de 1999.

Vitória do Palmeiras por 1-0 no Morumbi, dando a tônica do que seriam os próximos confrontos: equilibrados, brigados e elétricos. Foi um recuo controverso de Gamarra para Nei que originou um tiro livre indireto para os palmeirenses. Evair só rolou e Arce mandou a bomba para marcar. 

A boa largada deu moral ao elenco de Luis Felipe Scolari, que castigou o Cerro Porteño uma semana depois, com 5-2 em pleno Defensores del Chaco. Sem querer ficar atrás do coirmão, o Corinthians foi além e marcou um inesquecível 8-2 no Cerro, que ainda se classificou, mesmo com as duas chicotadas sofridas.

O reencontro entre os paulistas teve vitória do Corinthians por 2-1, com gol de Paulo Nunes para o Palmeiras. Somando uma derrota e um empate diante do Olimpia, o alviverde foi ultrapassado pelo Timão. Na última jornada, mesmo vencendo o Cerro, terminou a fase como segundo no grupo, com 10 pontos. A equipe de Parque São Jorge encerrou sua participação no agrupamento com um passeio sobre o Olimpia, 4-0. 

Copa Libertadores Brasileirão 1999
Campeão da edição de 1998, o Vasco ingressou na Libertadores de 1999 diretamente nas oitavas de final. Aquela geração de Carlos Germano, Odvan, Mauro Galvão, Gilberto, Felipe, Juninho Pernambucano e Pedrinho foi derrotada pelo Real Madrid no Mundial e encerrou seu ciclo com o título da Copa João Havelange em 2000. Dois anos antes, havia vencido também o Brasileiro de 97 em cima do próprio Palmeiras. O troco palmeirense veio com juros e correção monetária.

Dentro do Palestra Itália, um empate por 1-1 preocupou aos que não acreditavam na força do grupo montado por Scolari. Oséas marcou de cabeça e a vaga seria decidida em São Januário na semana seguinte. No dia 21 de abril, em pleno feriado de Tiradentes, o Palmeiras atropelou o cruzmaltino por 4-2, com grande atuação de Paulo Nunes e Alex. Repleto de tabelinhas e jogadas de efeito, o Verdão garantiu sua chegada nas quartas de final. Fim do primeiro capítulo.

São Paulo seguiu dividida até as quartas de final da competição. De um lado, o Palmeiras alegre, consciente, decisivo e fortíssimo na bola aérea. Do outro, o Corinthians de Oswaldo de Oliveira que fazia bom uso da posse de bola, tinha contragolpes mortais e nas faltas e escanteios levava perigo com Marcelinho Carioca.  Nos dias 5 e 12 de maio, a segunda batalha iria parar a cidade, colocando frente a frente dois dos esquadrões mais vencedores que as agremiações rivais já viram.

O Morumbi estava lotado para ver mais um clássico. Durante o jogo de ida o alviverde fez 2-0, graças a Oséas e Rogério, que completou uma arrancada de Paulo Nunes pela esquerda. Também foi dia de Marcos, que fechou o gol e começou a ganhar lugar no coração do palmeirense. Muito mais parelhos do que os torcedores esperavam, os 90 minutos viram a defesa de Scolari se sobressair e utilizar com inteligência os espaços corintianos. Em desvantagem, os comandados de Oswaldo se lançavam ao ataque e forçavam Marcos a praticar incríveis intervenções.

Pelas mãos do Santo
Tudo se inverteu sete dias depois. O agregado virou a favor do Corinthians a partir dos 31 minutos. Edilson havia marcado aos seis, mas cometeu falta clara no goleiro rival com uma entrada perigosa em reposição de bola. Num cruzamento de Marcelinho para a pequena área, o mesmo Capetinha chegou de carrinho e desviou, marcando o primeiro. Júnior e Edilson foram expulsos pouco antes do intervalo, numa confusão gerada por um carrinho de Marcelinho no lateral esquerdo palmeirense. 

Após a volta do intervalo, o relógio marcava nove minutos quando em jogada reprise do primeiro tento, Ricardinho apareceu livre na área e tocou para vencer Marcos. 2-0, tudo igual, o empate na soma total dos resultados levaria para os penais. Repleto de tensão, o dérbi teve vinte minutos eletrizantes, se tornando instantaneamente num dos maiores clássicos da década. 

Aos 36, Paulo Nunes teve a chance de ouro para finalizar o encontro. De cara para o gol, chutou e encontrou Maurício no meio do caminho. Marcelinho e Euller também desperdiçaram duas outras oportunidades, assim como Ricardinho que jogou por cima uma bola aos 45. Do pior jeito possível para qualquer torcedor, tudo se resolveu nas penalidades. Dinei chutou no travessão, Marcos agarrou o chute de Vampeta e dos pés de Zinho saiu a vaga para enfrentar o River Plate na semifinal. Termina o segundo capítulo e o mini campeonato brasileiro na competição sul-americana.

Se acordar, ele resolve
Fazendo 1-0 na Argentina, o River veio com o seu grande time para segurar o Palmeiras em São Paulo. No Palestra Itália não havia espaço para mais ninguém entrar. E foi com essa multidão vibrante que o alviverde chegou longe, muito longe. Para disputar sua terceira final de Libertadores (1961 contra o Peñarol e 1968 contra o Estudiantes), uma virada seria necessária. E ela saiu até com tranquilidade se comparado ao ataque de nervos que foi a fase de quartas de final. 

Dizia a parcela corneteira palmeirense que Alex dormia em campo. O camisa 10, no entanto, tinha vocação para resolver duelos decisivos. Provou isso aos 17 do primeiro tempo com uma belíssima jogada. Escalando Agnaldo, Rubens Junior e Rogério como titulares, Felipão não pagou o preço pelos seus desfalques. Alex então acordou, matou no peito, carregou por uns metros diante de olhar atento de Berizzo e espetou: 1-0. 

Oséas evitou a saída na esquerda, cruzou na área e Roque Júnior subiu no segundo andar para testar: 2-0, só isso já bastava. Bastava, mas não satisfazia a enlouquecida massa presente no Palestra. Elétrico, Alex carregou, driblou dois e passou para Zinho, mas o veterano foi desarmado. Ainda restavam 10 minutos para o intervalo e o Palmeiras massacrava o River Plate, sedento por mais um gol. Paulo Nunes tirou a zaga para dançar e quase marcou, batendo por cima da meta de Bonano. Os 45 minutos restantes foram um verdadeiro baile que deu tom na noite paulistana. Nem Gallardo conseguiu estragar tudo, batendo duas faltas em que Marcos voou para salvar. 

Paulo Nunes recebeu na esquerda e parou alguns milésimos para pensar. Num daqueles contragolpes característicos, o Diabo Loiro inverteu com o Alex na outra ponta. O meia dominou com calma e bateu de esquerda, no alto de Bonano. Viria então o Deportivo Cali. Não antes de mais um capítulo da guerra contra o Corinthians.

Pela decisão do Paulistão, os arquirrivais novamente ficariam frente a frente. Vencendo com sobras, o alvinegro quase complicou o Verdão, que tinha o estadual nos fins de semana e a disputa contra os colombianos na quarta-feira.

Fazendo 3-0 na primeira partida, em 13 de junho, o Timão poderia empatar na volta, depois da segunda peleja sul-americana. Aquele período de duas semanas não tinha como ficar mais tenso para Scolari e sua patota. Visitando o Pascual Guerrero, em Cali, o Palmeiras saiu derrotado por 1-0, graças a gol de Victor Bonilla, um dos seis artilheiros da Libertadores, ao lado de Fernando Baiano, Ruben Sosa (Nacional), Martin Zapata (Deportivo Cali), Ruberth Morán (Estudiantes de Mérida) e Gauchinho (Cerro Porteño).

Briga campal, salto no vestiário e Zapata eterno
Não deu para reagir no Paulistão e um 2-2 frente o Timão serviu de plano de fundo para uma pancadaria incrível no gramado do Morumbi. Chegadas violentas por parte de um Palmeiras irritado marcaram a terceira batalha entre os coirmãos paulistanos.

A coisa ficou feia mesmo quando Edilson petecou a bola na lateral e provocou a ira de Júnior e Paulo Nunes, desencadeando um festival de sopapos, chutes e fugas alucinadas. Renato, arqueiro reserva do Corinthians, assim como Roque Júnior, se jogaram no fosso que dava nos vestiários e certamente ganharam alguns hematomas com a queda. Corinthians campeão paulista e Palmeiras com mais uma final pela frente.

16 de junho de 1999 marcou a maior conquista do clube de Palestra Itália. Em casa e com um elenco muito superior ao do Deportivo Cali de Dudamel, Yepes, Bedoya e Bonilla. Fechado, o escrete escalado por José Hernández veio para São Paulo buscando o empate. Com a obrigação de vencer por mais de um tento de diferença, o alviverde de Scolari não tinha muito a perder. Tome sufoco e "não pode deixar o Bonilla no mano a mano!"

Ao passo que Mario Sánchez apitou para o fim da etapa inicial, o zero ainda tomava conta do placar. Corações beirando a taquicardia marcavam o ritmo dos 45 finais. Mão na bola na área colombiana, pênalti para o Palmeiras. Nada mais apropriado do que conceder a Evair, o Matador, a licença para executar o tiro com a sua frieza característica na marca de 11 metros. 1-0 e tudo igual na soma dos resultados. Júnior Baiano tornou a testar a frequência cardíaca dos presentes ao cometer uma penalidade máxima. Zapata mandou forte e rasteiro e igualou o marcador. Até aí, o Deportivo Cali estava se sagrando campeão, aos 24 do segundo tempo.

Seis minutos depois, Oséas completou passe vindo da esquerda e mandou para as redes. O Palestra Itália saiu do chão, ganhou as cores do verde, branco e vermelho nas bancadas. Ainda restavam as crueis cobranças de pênalti para ver quem seria o vencedor da noite. O franco atirador alviverde colombiano ou o emocional paulistano? Com Evair expulso, o drama se instalou na Pompéia. 

Zinho errou, dando vazão aos mais pessimistas que acreditavam que o cartão vermelho mostrado a Evair seria um mau presságio. Bedoya carimbou o poste e o mesmo Zapata do tempo normal ficou encarregado de tentar o 4-4 na disputa. Deixo com Galvão Bueno as palavras finais deste texto. 

"PARTIU ZAPATA, SAI QUE É SUA MARCOS, PRA FOOOOOORA! PRA FOOOOOOOOOOORA! ACABOU!" Não há registro de festa maior no Palestra Itália do que a que tomou lugar naquela noite de 16 de junho. Eterno seja o bigode, o santo, o matador, a trancinha e o Zapata. Sem eles, o Verdão teria outra cara completamente diferente.

Palmeiras: Marcos, Júnior Baiano, Roque Júnior, Arce (Evair), Júnior Rogério, César Sampaio, Alex (Euller), Zinho, Paulo Nunes e Oséas. Téc: Luiz Felipe Scolari

Deportivo Cali: Dudamel, Pérez (Gavíria), Yepes, Mosquera, Bedoya, Zapata, Viveros, Betancourt, Candelo (Hurtado), Córdoba (Valencia) e Bonilla. Téc: José Hernández

Campanha: 14 jogos, sete vitórias, dois empates e cinco derrotas. 27 gols marcados e 21 sofridos

Jogos
Primeira fase
Palmeiras 1-0 Corinthians
Cerro Porteño 2-5 Palmeiras
Olimpia 4-2 Palmeiras
Palmeiras 1-1 Olimpia
Corinthians 2-1 Palmeiras
Palmeiras 2-1 Cerro Porteño

Oitavas de final
Palmeiras 1-1 Vasco
Vasco 2-4 Palmeiras

Quartas de final
Palmeiras 2-0 Corinthians
Corinthians 2-0 Palmeiras (2-4 nos pênaltis)

Semifinal
River Plate 1-0 Palmeiras
Palmeiras 3-0 River Plate

Final
2 de junho de 1999 - Pascual Guerrero, Cali
Deportivo Cali 1-0 Palmeiras
16 de junho de 1999 - Palestra Itália, São Paulo
Palmeiras 2-1 Deportivo Cali (4-3 nos pênaltis)




Felipe Portes é estudante de jornalismo, tem 22 anos e é redator no Trivela, além de ser o dono e criador da Total Football. Work-a-holic, come, bebe e respira futebol.

"O futebol na minha vida é questão de fantasia, de imaginário. Fosse uma ciência exata, seria apenas praticado por robôs. Nunca fui bom em cálculos e fórmulas, o lado humano me fascina muito mais do que o favoritismo e as vitórias consideradas certas. Surpresas são mais saborosas do que hegemonias.

No twitter, @portesovic.

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