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Foto: Baú do futebol |
Tiago de Melo Gomes, @melogtiago
De Recife-PE
No dia 10 de fevereiro de 1946 Brasil e Argentina fizeram um dos confrontos mais lembrados do longo histórico de partidas entre as duas seleções. A partida, válida pelo Sul-Americano (como então se denominava a Copa América) daquele ano, terminou com uma vitória da Argentina por 2 a 0, dois gols de Méndez. Mas o que menos se lembra é da partida em si.
De Recife-PE
No dia 10 de fevereiro de 1946 Brasil e Argentina fizeram um dos confrontos mais lembrados do longo histórico de partidas entre as duas seleções. A partida, válida pelo Sul-Americano (como então se denominava a Copa América) daquele ano, terminou com uma vitória da Argentina por 2 a 0, dois gols de Méndez. Mas o que menos se lembra é da partida em si.
No
Brasil a história normalmente é contada como se essa partida fosse um
desdobramento do confronto entre as duas equipes no final do ano anterior pela Copa
América. A partida, disputada em São Januário, foi marcada por muita violência.
Quem levou a pior foi o zagueiro argentino Battagliero, que fraturou a perna
numa dividida com Ademir Menezes. Não há imagens do lance, mas no Brasil se
assegura que o lance foi involuntário.
A
partida de 1946, no Monumental de Nuñez é encarada por aqui como uma vingança
planejada pelos argentinos. Nessa versão, tudo teria descambado de vez quando,
aos 28 minutos, Jair da Rosa Pinto, também acidentalmente, quebrou a perna do
zagueiro Salomón. A partir daí teria começado uma briga generalizada em que os
argentinos massacraram os brasileiros, que teriam em Chico Aramburu o grande
herói da briga.
Sempre
segundo a versão brasileira da história, ao fim da briga a equipe brasileira
estava amedrontada e temendo pela própria vida. Sem clima para jogar futebol, o
Brasil teria apenas assistido a Argentina jogar e fazer os gols que quis. Em
suma, o que se conta por aqui é que não houve futebol, apenas violência
argentina contra um pobre e indefeso time do Brasil.
É
difícil avaliar adequadamente a situação, pois não se conhece imagens em
movimento das duas partidas, e em geral a história é contada por pessoas que
não estavam no Monumental de Nuñez. Mas há coisas que merecem ser revistas
nessa história.
A
primeira: é difícil acreditar que os jogadores brasileiros tenham sido apenas
vítimas da violência argentina. Afinal, o saldo final das duas partidas foi de
duas pernas argentinas fraturadas por jogadores brasileiros. A versão argentina
é exatamente oposta. Nela o Brasil bateu sem piedade nos vizinhos na partida de
São Januário, e ainda teve a coragem de quebrar Salomón dentro do Monumental de
Nuñez. Para os argentinos, a vitória naquela partida simplesmente refletiu a
superioridade da albiceleste daqueles anos.
O
argumento argentino levanta uma questão importante. Naquela ocasião o Brasil
tinha um time muito interessante, já com muitos jogadores que atuariam em 1950.
O ataque era avassalador: Tesourinha, Zizinho, Heleno de Freitas, Jair e Chico
(com Ademir Menezes no banco). Aquela seleção poderia enfrentar qualquer outra
de igual para igual. Menos a Argentina.
Naquele
momento os vizinhos tinham a melhor geração de sua história. Era o auge da
“maquina” do River Plate, com o lendário ataque formado por Muñoz, Moreno (para
muitos daquele tempo, o melhor jogador da história do país), Pedernera, Labruna
e Lostau. No Boca Juniors estava Mario “Atomico” Boyé. No San Lorenzo atuava o
genial ponteiro Rinaldo Pontoni. No Huracán havia o artilheiro Norberto “Tucho”
Méndez, autor dos dois gols da partida.
Eram
tantos grandes jogadores que o River podia se dar ao luxo de emprestar Di
Stefano, então com 20 anos, para o Huracán. E no Brasil daquele tempo,
abundavam jogadores argentinos que, sem espaço em seu país, vinham para nosso
país e reforçavam as grandes equipes daqui. Se jogadores argentinos medianos se
destacavam por aqui, fica difícil sustentar que naquele encontro do Monumental
de Nuñez a violência argentina possa ser a única explicação para nossa derrota.
E
isso não deveria ser novidade, já que argentinos e uruguaios foram melhores que
os brasileiros em quase todos os momentos da primeira metade do século XX.
Nesses países o futebol chegou mais cedo e se desenvolveu muito antes do que
por aqui. Os uruguaios haviam vencido duas Olimpíadas e um mundial, e viriam a
vencer o próximo, em 1950. Em duas dessas competições (Olimpíada de 1928 e
Mundial de 1930) o título veio em finais disputadíssimas contra os argentinos.
Os
historiadores do futebol brasileiro adoram criar justificativas para explicar
um fato que, objetivamente, é incontestável: na primeira metade do século XX o
futebol brasileiro não teve qualquer destaque internacional. Teve como maior
feito chegar em uma semifinal de mundial, algo que naqueles anos EUA e Suécia
também conseguiram. Por isso não surpreende que o artilheiro argentino Pancho
Varallo tenha declarado, sobre o mundial de 1930: “os melhores times eram
Argentina e Uruguai. Dizem que o Brasil estava lá mas nem me lembro. Só importavam
Argentina e Uruguai”.
Assim,
a partida de 1946 poderia ser vista por outro prisma. Como lembrança de um
tempo em que éramos fregueses (ou “hijos”, como dizem os argentinos) dos
vizinhos do Rio da Prata. E o enorme esforço para superá-los certamente foi
essencial para o crescimento do futebol brasileiro. Derrotas como aquela
mostraram aos brasileiros que ainda havia muito a evoluir.
Argentina: Vacca, Salomón (Marante) e Sobrero; Fonda,
Strembel (Ongaro) e Pescia; De la Mata, Méndez, Pedernera, Labruna e Loustau.
Brasil: Luiz Borracha, Domingos da Guía e Norival; Zezé,
Danilo e Jaime (Rui); Tesourinha (Lima), Zizinho (Ademir), Heleno de Freitas,
Jair e Chico.
Gols: Méndez aos 38 do 1º tempo e aos 10 do 2º.
Expulsões: De la Mata e Chico, aos 28 do 1º tempo.
*Agradeço a meu amigo Esteban Bekerman, @egerbek, historiador e
jornalista esportivo argentino, pela ficha técnica da partida.
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